Desde 2018, Dr. Pedro Farto e Abreu, responsável da Cardiologia de Intervenção do Hospital Fernando Fonseca, liderou a iniciativa Stent Save a Life. Em entrevista, agora que passa o testemunho para Dr. João Brum Silveira, faz um balanço positivo do desafio que aceitou com responsabilidade há 3 anos e meio.
Foi nomeado coordenador nacional da iniciativa Stent – Save a Life! em janeiro de 2018. O que o levou a aceitar este cargo?
Pedro Farto e Abreu (PFA) – Quando fui convidado pelo presidente da APIC, Dr. João Brum da Silveira, para aceitar o cargo de coordenador nacional da iniciativa “Stent Save a Life”, decidi, depois de pensar algum tempo, aceitar, na perspetiva de poder ajudar na melhoria de um dos aspetos mais importantes da saúde dos nossos cidadãos, que são as doenças cardiovasculares, que como sabemos são a maior causa de mortalidade no nosso país. Temos feito na última década enormes progressos no tratamento da cardiopatia isquémica, nomeadamente no enfarte agudo do miocárdio, e particularmente através da via verde coronária no enfarte com supra de ST.
Qual o balanço que faz destes três anos e meio de iniciativa?
PFA – Como em quase tudo o que fazemos, naturalmente não é fácil, chegar ao fim com a total satisfação do dever cumprido. Considero que algumas coisas foram realizadas, mas que muitas outras que estavam na minha cabeça ficaram por fazer, e é um facto que a pandemia que vivemos e todos os momentos de stress, por que todos passamos, inviabilizaram muitas das realizações que estavam pensadas. A prioridade de todos nós virou-se naturalmente para o combate à pandemia, e mesmo que na nossa especialidade não tenhamos estado na “linha da frente”, tivemos de nos preparar e adaptar nas circunstâncias que vivemos, para que a saúde cardiológica dos portugueses não sentisse que não estávamos preparados. E sinceramente acho que, no que diz respeito ao tratamento da doença coronária aguda, estivemos sempre presentes e bem organizados para dar uma resposta eficaz aos nossos concidadãos. Com todos os condicionalismos, os dados oficiais mostram que nos últimos dois anos demos um pulo significativo no número de doentes tratados que foram encaminhados pela via verde coronária, e isso penso que se deveu a uma constante mensagem para a população, quer alertando-a para os sintomas do enfarte, quer para a mais adequada forma de proceder quando fosse o caso.
Quais os principais desafios que encontrou durante a sua coordenação?
PFA – Foram vários os desafios que encontrei. Em primeiro lugar a falta de financiamento desta iniciativa. Como sabemos, desde há algum tempo que deixou de haver canalização de fundos da Sociedade Europeia de Cardiologia e da EAPCI para a iniciativa “Stent Save a Life”. A própria APIC, debate-se naturalmente com um orçamento apertado e também não foi possível obter esses fundos, pelo que tive necessidade de fazer várias reuniões com a indústria para a obtenção de apoios, e registo com satisfação e agradecimento à mesma que tiveram uma grande recetividade. Por outro lado, e após uma cuidada análise dos resultados que foram sendo publicados pela anterior coordenação nacional, a cargo do Dr. Hélder Pereira, a quem saúdo publicamente pelo seu trabalho, fiquei claramente com ideia de que o problema principal que devia ser atacado seria o da informação da população sobre os sintomas do enfarte e a melhor forma de atuar. Era aí que no meu entender poderíamos fazer a diferença.
Quando avaliamos o que chamamos de tempo total de isquemia e o dividimos entre o atraso do doente e do sistema, acho que rapidamente duas coisas saltam à vista. Que há muita informação necessária que deve ser passada para a população e que há que fazer um grande esforço para melhorar o chamado transporte secundário dos doentes. Isto por oposição ao tempo “porta-balão”, onde penso que se atingiram valores dificilmente melhoráveis. É preciso realçar que a informação correta do doente e sua atuação adequada, vai ajudar a resolver a questão do transporte secundário, pois ao chamar o 112, está por um lado a assegurar um transporte mais preparado para as eventuais complicações, como será imediatamente transportado para o sitio certo, e não para hospitais que sejam os da sua área de residência, tenham urgência aberta à rua, mas não tenham capacidade de efetuar o tratamento adequado. Era isso que sistematicamente dizia quando na televisão ou nos jornais, ou em reuniões chamava a atenção para essa questão, nomeadamente na área da grande Lisboa, onde grandes hospitais com urgência aberta, como o São José, São Francisco Xavier, Cascais, Loures, não têm cardiologia de intervenção, e como tal têm que transferir os doentes e aí começam os vários problemas, desde o transporte, como os próprios recursos humanos para o acompanhamento dos doentes, dado que o numero de profissionais na urgência são diminutos e a sua ausência temporária para o transporte causa desequilíbrios por vezes difíceis de resolver.
No âmbito da iniciativa SSL foi desenvolvida a campanha Cada Segundo Conta que tem como objetivo principal promover o conhecimento da população sobre o enfarte agudo do miocárdio. Quais considera serem as principais dificuldades no sentido de passar esta mensagem à população e o que podemos ainda melhorar?
PFA – A campanha “Cada segundo conta”, foi o corolário estratégico da resposta ao problema que considero essencial. Esta campanha conseguiu o patrocínio de várias entidades das quais destaco a Presidência da Republica, mas não conseguiu ser tão assertiva como desejado porque foi completamente apanhada em plena pandemia. Não era naturalmente fácil numa altura em que a preocupação da saúde em Portugal era, e continua a ser a COVID-19, que se conseguisse o objetivo desejado, e isto por várias razões, primeiro porque a atenção e o receio dos portugueses está ainda relacionado com a pandemia, como também porque a proibição de reuniões e todas as manifestações para a passagem da mensagem continuam. De qualquer forma, ainda tive a possibilidade de a convite do Presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, Prof. Victor Gil, preparar um vídeo que teve ampla divulgação pelas redes sociais, chamando a atenção para as doenças cardiovasculares na altura da pandemia, e de ser entrevistado na televisão, bem como os restantes elementos da equipa SSL, Dr. Miguel Santos, Dr. Carlos Braga e Dra. Elisabete Jorge, a quem agradeço terem estado comigo nesta iniciativa.
No âmbito desta campanha, foram promovidos encontros de sobreviventes de enfarte. Com que objetivos? Quais as mais-valias destes encontros?
PFA – Foram de facto promovidos encontros com sobreviventes de enfarte. O primeiro no Hospital de Santo António no Porto e o segundo no Hospital Fernando Fonseca, na Amadora. Este ultimo contou com mais de uma centena de presentes, com o anfiteatro cheio e foi uma reunião muito interessante. Foi realizada cerca de duas semanas antes do primeiro confinamento geral em Portugal, em Março do ano passado, e naturalmente não tiveram continuação. O objetivo destes encontros era naturalmente a participação ativa dos doentes sobreviventes de enfarte, porque estamos convencidos de que a repetição destas iniciativas levam a que os doentes fiquem ainda mais sensibilizados e que divulguem junto das suas famílias amigos e população em geral estas questões de saúde.
Quais considera serem os principais desafios da iniciativa SSL, em Portugal, no futuro?
PFA – O que considero serem os principais objetivos desta iniciativa, dizem respeito à continuação do trabalho desenvolvido nos últimos 8-10 anos. Deveremos fazer um esforço no sentido da sensibilização e informação da população, pelos motivos que já acima mencionei. As campanhas custam dinheiro e há que fazer um esforço para obter patrocínios. Reuniões nos Centros de Saúde, sinergias com as autarquias locais e com empresas portuguesas de renome e fácil exposição mediática, podem ser uma ideia muito interessante, quando a nossa vida voltar a normalidade desejável. Não esquecer naturalmente o envolvimento do INEM e da tutela, no sentido principalmente da melhoria do transporte secundário dos doentes. Devem manter-se os cursos STEMINEM e STEMICARE, que a possibilidade de reuniões abertas vai permitir mais assíduos.
Em resumo, confio plenamente na equipa que irá ter agora esta tarefa, confio na excecional classe cardiológica nacional, a cada momento que passa melhor preparada cientificamente, e resta-me agradecer o apoio de todos os que comigo colaboraram e esperar que possa ter ajudado alguma coisa no objetivo a que me propus quando aceitei esta função.


