“Foi uma jornada exigente, mas muito gratificante, marcada pelo crescimento coletivo da APIC e pelo compromisso com a qualidade e proximidade” – Entrevista a Rita Calé Theotónio

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Ao concluir o seu mandato como presidente da Direção da APIC, no biénio 2023/2025, Rita Calé Theotónio, cardiologista de intervenção, faz um balanço do trabalho desenvolvido por si e pela equipa que a acompanhou, sublinhando que “foi um percurso marcado pelo crescimento, sempre orientado pela responsabilidade e pelo compromisso com a sustentabilidade da Associação”, destacou.


Foi presidente da APIC no biénio 2023/2025 qual o balanço que faz deste mandato? Cumpriu os objetivos a que se propôs?

Rita Calé Theotónio (RCT) – Foi com entusiasmo, sentido de dever e comprometidos com a missão da APIC que eu e a minha equipa assumimos a sua direção no biénio 2023/2025. Fazer uma autoavaliação nunca é tarefa fácil — idealmente, esse exercício deveria caber aos sócios ou a quem observa de fora. Ainda assim, tentando olhar para o mandato com alguma objetividade, considero que o trabalho realizado foi muito positivo. Conseguimos manter vários projetos importantes em andamento, enquanto lançámos novas iniciativas que vieram enriquecer o trabalho da APIC. Foi um caminho marcado pelo crescimento, sempre guiado pela responsabilidade e pelo cuidado com a sustentabilidade da Associação.

Definimos como eixos centrais da nossa ação a formação, a investigação e as relações institucionais. Durante o mandato, procurámos aliar a continuidade à inovação.

Mantivemos programas estruturais, como o apoio à certificação europeia e às bolsas de formação, mas introduzimos também novos formatos de partilha e aprendizagem, como o Club@APIC, o APIC Focus Meeting e o reforço dos webinares, que cresceram significativamente em número e impacto. Além do enorme sucesso das reuniões anuais da APIC e VaP-APIC, continuámos a apostar na formação prática, com projetos como o D@CL. No domínio da investigação, atualizámos o Registo Nacional de Cardiologia de Intervenção (RNCI), publicámos os dados da última década e lançámos o benchmarking dos centros públicos, ferramentas essenciais para a melhoria contínua.

Concretizámos a implementação da colheita de dados referentes às coronariografias diagnósticas para o RNCI, em alinhamento com o que havia sido definido pela direção precedente. Já na fase final do mandato, a APIC teve a oportunidade de assumir o papel de patrocinadora científica de dois registos na área da intervenção estrutural valvular — um passo importante no fortalecimento da investigação nacional multicêntrica, com potencial de projeção internacional. Esta iniciativa representa não apenas um contributo relevante para o avanço científico da cardiologia de intervenção em Portugal, mas também uma estratégia de diversificação das fontes de financiamento da APIC, reforçando a sua sustentabilidade a longo prazo. Comemorámos os 25 anos da Via Verde Coronária.

Demos continuidade e impulso às iniciativas ‘Stent for Life’ e ‘Valve for Life’, centrando a nossa atuação na promoção da literacia em saúde e na sensibilização junto das entidades decisoras. Paralelamente, retomámos os cursos STEMINEM, peça-chave para a qualificação dos profissionais envolvidos na resposta da Via Verde Coronária.

Reforçámos a relação com a tutela e outras entidades oficiais, onde destaco as audiências e reuniões com o Ministério da Saúde (Secretário Estado Ricardo Mestre e posteriormente Ana Povo) e com a DGS. A direção da APIC acompanhou de forma próxima e empenhada a discussão em torno da valorização da atividade da Via Verde Coronária. Esta proximidade permitiu-nos promover o diálogo entre todos os intervenientes deste percurso assistencial, favorecendo a coesão do sistema e contribuindo para a preservação de um serviço de excelência, contínuo e sem falhas. Estreitámos laços institucionais nacionais e internacionais. Destaco a relação institucional com a Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) e a nossa participação no Plano estratégico para a Saúde Cardiovascular liderado pela SPC. Mantivemos uma relação sólida com a European Association of Percutaneous Cardiovascular Intervention (EAPCI), refletida na presença ativa de múltiplos associados nos seus comitês científicos.

Por fim, demos passos importantes na aproximação aos doentes, com a criação de núcleos dedicados. Foi uma jornada exigente, mas muito gratificante, marcada pelo crescimento coletivo da APIC e pelo compromisso com a qualidade e proximidade.

Quais os próximos desafios na Cardiologia de Intervenção nacional?

RCT – A Cardiologia de Intervenção enfrenta hoje um conjunto de desafios estratégicos que irão moldar o seu futuro em Portugal. Entre os mais prementes, destacam-se três grandes eixos de atuação: tornar a subespecialidade atrativa para os jovens cardiologistas (a Cardiologia de Intervenção é uma área de grande exigência física e emocional, com horários intensos e, muitas vezes, imprevisíveis. Torna-se, por isso, fundamental criar condições que a tornem atrativa para os jovens cardiologistas.

A constante inovação tecnológica e científica é, por si só, um fator de fascínio, mas é essencial complementar essa atratividade com boas condições de trabalho, reconhecimento do risco envolvido e manutenção de incentivos. Trabalhar no sentido do reconhecimento oficial da Cardiologia de Intervenção como uma subespecialidade de risco pode ser um passo relevante. É imperativo garantir um ambiente de trabalho sustentável e motivador, que valorize o papel dos profissionais nesta área); assegurar equidade no acesso ao tratamento da doença valvular (um dos grandes desafios prende-se com a acessibilidade à intervenção estrutural valvular em todo o território nacional. É essencial criar condições nos centros cirúrgicos para o crescimento sustentado da intervenção valvular – seja aórtica, mitral ou tricúspide – o que passa pelo investimento na reestruturação dos laboratórios de hemodinâmica, das unidades de cuidados intensivos e das enfermarias.

Paralelamente, será necessária a descentralização de algumas técnicas de intervenção estrutural para hospitais não centrais, promovendo o tratamento de proximidade. Isso exigirá o reforço da capacidade técnica desses hospitais, com acesso a equipamentos de imagem avançada, dedicados e modernos. Os centros de referência terão aqui um papel crucial na formação contínua dos profissionais, e a expansão da intervenção estrutural em Portugal dependerá muito da articulação entre os diferentes centros. Os próprios programas de formação e certificação deverão ser revistos, para abrangerem não apenas a intervenção coronária, mas também a intervenção estrutural) e a organização das vias verdes (outro desafio importante será o reforço da organização das vias verdes em situações emergentes, como o choque cardiogénico e o tromboembolismo pulmonar.

A APIC tem dado passos importantes, em articulação com a SPC, na definição de uma rede para o choque cardiogénico. Será agora fundamental intensificar o diálogo com as autoridades de saúde, de modo a estabelecer vias verdes nacionais claras e bem estruturadas para estas patologias críticas). Em suma, os desafios que se avizinham são muitos, mas não inéditos.

A Cardiologia de Intervenção sempre se destacou pela sua capacidade de adaptação, evolução e superação. Com visão estratégica, compromisso coletivo e espírito de inovação, temos todas as condições para continuar a crescer. O caminho faz-se caminhando, e é com confiança que olho para o futuro. Tenho muita esperança nos próximos passos da nossa especialidade.

Que mensagem gostaria de deixar aos sócios da APIC?

RCT – Gostaria, em primeiro lugar, de deixar uma palavra de profundo agradecimento a todos os sócios que têm contribuído ativamente para o crescimento da nossa Associação. Muitos dos projetos e iniciativas que conseguimos concretizar só foram possíveis graças ao empenho e dedicação dos colegas que integraram grupos de estudo, coordenaram iniciativas ou fizeram parte das comissões organizadoras das nossas reuniões.

A todos, o meu muito obrigado. Ao mesmo tempo, deixo um apelo sentido a todos os sócios: que continuem ligados à APIC, com motivação, entusiasmo e espírito de partilha.

A verdadeira força da nossa Associação reside na energia coletiva de todos os sócios, no envolvimento com que abraçam as iniciativas e programas da Associação e no compromisso de fazer crescer a Cardiologia de Intervenção em Portugal. Termino com uma nota pessoal: sinto-me grata por ter tido a oportunidade de servir a APIC. Foi uma experiência profundamente enriquecedora e um privilégio contribuir para este percurso coletivo, ao lado de todos os que me acompanharam. Bem hajam!